40 anos das Fibras Ópticas no Brasil

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Neste ano de 2017 estamos comemorando 40 anos desde que a primeira fibra óptica foi produzida no Brasil, no Instituto de Física Gleb Wataghin da UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas. No ano de 1977 eu estava iniciando minha graduação em Física pelo Instituto de Física da USP e tive a grata oportunidade de acompanhar de perto estes primeiros passos das comunicações ópticas no Brasil. Desde então nunca mais me afastei destas fantásticas tecnologias e, de uma forma modesta, pude dar minha contribuição para sua história.

A história das fibras ópticas e o desejo de se utilizar a luz como suporte à transmissão de informações é fato bastante antigo, mas foi somente com o advento do LASER em 1960 que se abriu um novo horizonte de possibilidades. Juntar as tecnologias do Laser com a das Fibras Ópticas, para se ter uma solução viável às telecomunicações, se tornou o principal desafio dos cientistas na época.

Figura 1 – Primeiro LASER a Ruby – 1960

Dois grandes problemas estavam no topo da lista: reduzir as grandes dimensões e elevadas potencias dos Lasers, que aqueciam demais, e reduzir as elevadas perdas ópticas de transmissão pelas fibras ópticas, que eram da ordem de dezenas de dB/km.

Iniciou-se então uma corrida de pesquisadores em diversos países, tanto no meio acadêmico como em centros de P&D de empresas, na busca de soluções para estes problemas. Esta corrida teve dois importantes eventos no ano de 1970. A empresa norte-americana Corning fabricou a primeira fibra óptica com baixas perdas, inferior a 20 dB/km, e nos Laboratórios Bell, da AT&T, foi desenvolvido o primeiro Laser semicondutor de baixíssimas dimensões, capaz de operar de modo continuo e à temperatura ambiente. Com estes dois eventos, as portas para as comunicações ópticas foram abertas definitivamente, fazendo das fibras ópticas o meio mais promissor para as telecomunicações de alta velocidade e elevadas taxas de transmissão.

Figura 2 – Primeira fibra óptica com perdas abaixo de 20 dB/km – 1970 – Corning/USA

Nesta época, cientistas brasileiros como Rogério Cerqueira Leite, Sérgio Porto e José Ripper Filho estavam acompanhando de perto estas descobertas nos EUA e retornaram ao Brasil para liderar, na Unicamp, as pesquisas nesta área. Estes cientistas foram protagonistas na produção da primeira fibra óptica brasileira, no Departamento de Física Aplicada do IFGW. “A fibra óptica não foi inventada no Brasil, mas revolucionou os serviços de comunicação no país por ter sido capaz de modificar o mercado ao substituir as tecnologias até então existentes”, afirmou José Ripper Filho no evento de 30 anos das fibras ópticas – Unicamp 2007. Estes desenvolvimentos locais colocaram o Brasil na fronteira do conhecimento em fibras ópticas.

Em 1972, o governo brasileiro criou a Telebrás e investiu nos grupos acadêmicos existentes para o desenvolvimento da tecnologia de fabricação das fibras ópticas. O principal resultado desses investimentos foi obtido em abril de 1977, quando a primeira fibra óptica brasileira, com baixas perdas, foi puxada em uma torre de poucos metros de altura, no IFGW – Unicamp. Posteriormente foram criados os laboratórios no CPqD – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebras para dar continuidade a estes desenvolvimentos. Vários importantes cientistas e pesquisadores participaram nesta empreitada.

Uma vez consolidado o desenvolvimento da tecnologia, com a montagem de uma planta piloto de fabricação, o CPqD realizou a sua transferência para a indústria nacional. A empresa escolhida para esta transferência da tecnologia foi a ABC Xtal, que se estabeleceu em Campinas próximo ao CPqD e contratou pessoal do Grupo de Fibras Ópticas da Unicamp. Foi assinado um contrato com a Telebrás para produzir 2 mil quilômetros de fibras ópticas, cujo primeiro lote de 500 quilômetros foi entregue em agosto de 1984.

Neste cenário também estava presente a Pirelli Cabos do Brasil, empresa multinacional italiana estabelecida no Brasil havia mais de 50 anos. Ela também teve um papel importante na história das fibras ópticas no mundo e no Brasil. No final da década de 70, a Pirelli na Europa já vinha trabalhando no desenvolvimento das fibras ópticas em parceria com importantes universidades, na Itália e UK.  No Brasil, a Pirelli Cabos decidiu criar, no início da década de 80, um centro de P&D em Santo André. A frente deste Centro estava o visionário engenheiro Carmine Taralli, que promoveu a criação de laboratórios para o desenvolvimento, fabricação e caracterização de fibras e cabos ópticos.

Nos últimos anos da minha graduação em Física, tive a feliz oportunidade de ingressar na equipe que iria desenvolver as primeiras fibras ópticas no Brasil dentro desta multinacional. A equipe, liderada pelo engenheiro Chaim Tencer, montou os laboratórios e construiu os equipamentos de fabricação – Tornos de Deposição, Torre de Estiramento, Equipamentos de Caracterização, etc., que permitiram obter as primeiras fibras ópticas do tipo Multimodo no ano de 1984. No mesmo ano foi realizada a fabricação e fornecimento de um cabo OPGW com fibra nacional, para uma instalação piloto na Eletronorte. Estes eventos também foram relevantes para a indústria brasileira e das telecomunicações.

Figura 3 – Torre de estiramento – Pirelli Cabos – 1986

(Marco A. Scocco, Noel J. Magalhães, Edilson de Carvalho)

O processo de fabricação mais comum na época era o conhecido MCVD – Modified Chemical Vapor Deposition ou Deposição Química na fase de Vapor. Com este processo era possível se fabricar as preformas que seriam transformadas em fibras ópticas com o processo de estiramento.

Figura 4 – Torno de deposição química MCVD

Com o estiramento destas preformas se obtinham tipicamente algumas dezenas de km de fibras ópticas. Para fins de comparação, hoje em dia se fabricam preformas que permitem o estiramento de milhares de km de fibras ópticas. Todavia, os processos industriais utilizados atualmente são outros, tais como OVD (Outside Vapour Deposition), VAD (Vapour Axial Deposition), PCVD (Plasma Chemical Vapor Deposition), que são muito mais eficientes e produtivos que o antigo processo MCVD.

Devido a elevada capacidade das preformas e a necessidade de estiramento em altas velocidades, as atuais torres possuem alturas da ordem de 40m, contra os 4 a 12m das primeiras torres.

Figura 5 – Comparação ilustrativa de Torres de Estiramento – anos 80 e atual

Na década de 80 o governo brasileiro instituiu a lei de informática, que dava proteção às empresas nacionais tais como a ABC-Xtal, que teve exclusividade do mercado de Telecom por vários anos. Para a multinacional Pirelli ficou a possibilidade de fornecer ao mercado não Telecom, o que significava estar fora do principal mercado, o das Teles do Sistema Telebrás.

Todavia, na década de 90, ocorreu o processo de abertura comercial, mudanças na política industrial e a globalização, que permitiu à Pirelli Cabos começar a participar do mercado de Telecom e competir com a ABC-Xtal. Diante deste novo cenário, a Pirelli Cabos construiu uma nova fábrica de fibras ópticas em Sorocaba, a qual foi inaugurada em 1997. Nesta década de 90 várias empresas começaram a produzir cabos ópticos no Brasil, com fibras nacionais, da ABC-Xtal, da Pirelli, mas também com fibras importadas.

O crescimento do mercado Telecom teve um boom no final da década de 90, indo até 2001, quando ocorreu a quebra mundial das empresas .com. Esta quebra se refletiu em uma abrupta paralisação dos negócios de telecom. O resultado foi o fechamento de diversas empresas, fabricantes de cabos ópticos. Nesta época a ABC-XTAL foi vendida para uma empresa americana, a Fibercore e que, mais tarde, também acabou fechando.

Após estes 40 anos da fabricação da primeira fibra óptica no Brasil, podemos dizer que esta história foi coroada de sucessos, tendo sido uma das poucas tecnologias cujo gap de desenvolvimento com os países mais avançados foi de apenas alguns anos. Mas também foi uma história de tristes fatos, como o fechamento de empresas com tecnologia nacional. O Brasil teve a grande oportunidade de implantar uma política industrial efetiva de desenvolvimento das comunicações ópticas, mas foi ineficaz para manter os investimento e o crescimento das empresas locais, para poderem competir com empresas multinacionais que estavam investindo pesadamente em P&D e Inovação em seus países de origem.

Está história das fibras ópticas no Brasil até o início dos anos 2000, contada muito resumidamente neste artigo, infelizmente espelha uma realidade que se repete em diversos campos de atividades e de desenvolvimento de tecnologias no país. Em um próximo artigo veremos o que aconteceu com o mercado de fibras ópticas neste novo século, no âmbito mundial e no Brasil, até este ano de 2017.

Autor: Marco A. Scocco

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